O cabelo já não tem mais o liso provocado pela escova progressiva. As ondas voltam, delicadamente, a ocupar o esperado lugar. Elas avolumam as mechas loiras que se mesclam ao castanho que surge na raiz exposta. A cabeça se enche aos poucos e os fios delineiam um novo rosto. O mesmo, mas novo. Tempo. Eu não sinto o rímel pesar em meus cílios e a base marcar minhas rugas. A maquiagem perdera o sentido. Singelamente, as cores labiais foram substituídas pela transparência da vaselina. E os lábios se mostraram. Eu vi o delinear de minha boca. Desenho. A pele desnuda e branca expunha algumas manchas, marcas do sol da adolescência. Dias e dias deitada sobre a toalha à espera da cor. O calor intenso queimou a pele. Lembranças. Eu percebo que as manchas não eram tão escuras. Não havia incômodo ali. Presentes, elas não necessitavam de um belo embrulho que as cobrisse. Nem sempre. Surpresa. As unhas longas se foram e o esmalte nada mais é do que um vidro empoeirado no armário do banheiro. No pé, marcas de um esmalte descascado, retirado sem muito pudor sentada ao chão da sala. Realidade. A vida seguia seu fluxo de transformação. Trazia a tona uma realidade simples e uma simplicidade real, contradições de um confinamento. Mulher, mãe, assistente social, pesquisadora, escritora, amiga, aquela que cuida do lar e que gosta do que surge: uma mulher sem muita complicação. E, assim, percebo o verdadeiro confinamento e me liberto.