Sangrar é uma forma de existir, 2022 – Fragmento 1

Um corpo ensaia um grito, que sai pela pele. Ele é vermelho e expõe dores ignoradas. Camuflagem de noites não dormidas. De uma mão que aperta a barra do cobertor. A respiração deseja não existir. Finge dormir no desconforto. Deseja a insignificância e pés velozes. Nada parecia viável.

O corte aparece no espelho sobre o papel. Tempo nunca antes capturado. Signo estampado e nítido. Pedaços concretos de dores simbólicas. Testemunho sobre a fotografia de várias e invisíveis peles.

O ventre é vermelho. O seio carrega a digital vermelha. E a tentativa de se proteger impregna a mão de vermelho. Uma tinta feita de suor e lágrima. De silêncios e algumas cegueiras.

Até que o registro torna possível olhar para o tempo congelado. Reconstrói significados em realidades tortuosas. A linha costura partes que não se encaixam. Camadas de pele passam a dialogar. Corpo reconstruído em fragmentos.

É possível enxergar as cicatrizes. Assim como sentir o cheiro do sangue. Mas a dor se dilui no remendo do corpo capturado, liberto pela costura.

Ele sempre será vermelho. Ele sempre será despedaço. Mas, descobre: o sangue que escorreu na pele trêmula era o mesmo que transportava o grito.

Torno sensível, pela minha mediação silenciosa, a afirmação ininterrupta, o murmúrio gigante sobre o qual a linguagem, ao abrir-se, converte-se em imagem, torna-se imaginária, profundidade falante, indistinta plenitude que está vazia. Esse silêncio tem sua origem no apagamento que é convidado aquele que escreve. Ou então, é o recurso de seu domínio, esse direito de intervir que conserva a mão que não escreve, a partir de si mesmo que pode sempre dizer que não e que, quando necessário, recorre ao tempo, restaura o futuro. (BLANCHOT, 1987, p. 17)