Pequenos grãos, espalhados sobre a bancada da cozinha. Início de um pequeno ritual. Uma lembrança direciona o olhar, torna-se presente em uma voz imaginária. A escolha da vasilha é sempre a mesma. A não escolha é parte do ritual. Enquanto uma mão separa os grãos, a outra segura a vasilha que os acolhe, sente o descascado, marcas de um pequeno tombo. Grão por grão, eles caem na vasilha esmaltada fazendo um barulho peculiar. Ao longe já se sabe o que é, ouvido treinado desde a infância. A criança corria ao escutar o barulho e implorava à mãe que a deixasse ajudar. Lembranças de um dia feliz. Um grão se junta a outro, e a outro, e a outro. Enchem a vasilha. Dali, direto para a torneira. Sinto a água gelar minha mão, ela se mistura aos grãos. A tríade perfeita. Misturam-se sem se perder. Todos saem intactos do encontro. Dali, direto para a pressão. O tempo parece suprimir o ritual, mas é parte. Adentra a cena e se faz soberano diante a força dos pequenos grãos. Aos poucos, eles sucumbem e amolecem. O ritual continua: panela ao fogo, um pouco de óleo, cebola picada. O fogo assume a soberania e transforma a ardência do cru no adocicado do frito. Mostra sua força, é voraz e queima rápido. O tempo permanece ali, à espreita. O alho entra em cena. “Não o deixe queimar!” A voz ressoa em minha cabeça, lembra-me do ritual. O tempero entra. Uma mistura de alho, sal e cheiro verde, batidos em outro pequeno e simples ritual. “Não o deixe queimar!” A voz repete, milimetrando o ritual. E os grãos mergulham na panela quente, agora juntos em uma espécie de sopa. E o fogo casa-se com o tempo. E mais uma vez a voz retorna, cíclica, constrói a cena: “Calma, deixe o caldo engrossar!”. Esboço um sorriso, pego a colher e, delicadamente, misturo o feijão. Há encontros nos pequenos rituais.