Estou no Maranhão. Ando livre pelas ruas. Impressiona-me a cidade. Muitas escadas no centro histórico, lembram-me Coimbra. A procura de comida, me deparo com um local cujo nome me chamou a atenção. Sim, eu procuro lugares pelo nome, adoro títulos. Cozinha Ancestral. A ancestralidade me convida a entrar. Era uma casa velha, cheia de histórias. Sinto o cheiro do local e gosto disso. Algo de ancestral aguça minha curiosidade. Na primeira sala havia uma exposição de arte. Vários artistas locais com suas obras, pequenos sonhadores. O anonimato também me convoca, principalmente pela coragem. Há coragem na exposição. Fico emocionada com as obras. Corajosos os anônimos. Uma delas era um grande pano azul, pendurado no meio da sala, formava um triângulo com os seguintes dizeres: “Tempo haverá”. Fico hipnotizada com a frase. Poucas palavras, muito significado. Perco-me no “Tempo há, verá” interpretada por mim. Lembro-me que ainda há tempo. E eu gosto de azul, minhas unhas acabam de me lembrar disso. No segundo cômodo localiza-se a cozinha. A simplicidade torna o ambiente extremamente requintado. Gosto do requinte do simples. As mesas eram de madeira rustica. Todas enfeitadas com pequenos panos coloridos. Sento-me em uma das mesas. Uma senhora vem a meu encontro e explica o funcionamento do local: “- Aqui ninguém serve ninguém. Todos participam.”. Gosto disso, estou incluída. Aquele lugar também era meu agora, talvez algo parecido com minha ancestralidade. Vou até o balcão para escolher o que comer. Na dúvida, peço duas coisas, sou indecisa com comida: um bolinho de camarão e um arroz típico do maranhão (era arroz, com feijão, com corne, com linguiça, com queijo etc…). Era o arroz dos “cons”. Peço, também, um chá gelado de erva doce com limão. À espera, fico admirando o local. Tinha uma foto de Marielle Franco. Ela estava presente. Várias frases demonstravam a resistência. A ancestralidade resiste e reside ali. Perdida em meus pensamentos, escuto a senhora chamar pelo meu nome. Meu pedido estava pronto. Pego o chá gelado e o bolinho, o arroz viria depois. Ainda caminhando até a mesa, provo o chá. Surpresa! Era um frescor inimaginável. A erva se misturava com o limão que se misturava com a erva e que se misturavam com o gelo. Uma explosão. Sento e fico por uns minutos de olhos fechados. Sinto o frescor e o saber. Eles inundam meu corpo e alimentam minha alma. Acordo daquele sonho e me deparo com a vasilha de bolinhos. Ainda havia motivos para sonhar. Um molho alaranjado cobria o fundo da vasilha. Não sabia o que era, mas como uma boa “boa de garfo” me jogo na experiência. Pego o primeiro bolinho, mergulho-o no molho. BUM! Outra explosão de sabores. Fico de olhos fechado mastigando, mastigando, mastigando. Peço a Deus para que eu nunca me esqueça aquela sensação. A surrealidade me paralisou por alguns minutos. Um pouco depois, ainda enquanto eu vivia o prazer imediato (nem tão imediato) da alimentação, sou convocada a pegar o prato de arroz. Eis a grande surpresa: a comida vinha em uma cuia! Sonho realizado! Quem me conhece sabe que não gosto de comer em pratos, amo cuia e tudo que se pareça com elas. Prefiro-as mil vezes, aguça minha memória afetiva. A comida era diferente, quente, ao mesmo tempo que temperada, era suave e leve, forte e sutil. Demoro para comer tudo. Sinto-me acolhida na comida. Entendi o verdadeiro significado ou sensação de inclusão. Eu estava presente, participei do processo. Aquela comida era eu em ancestralidade. Por um minuto duvido da experiência que estava vivendo ali. Acho que temos o dom de duvidar das coisas boas da vida. Mas, rapidamente, me deparo com o real da sensação e a leitura do nome me enche de sentido. Era mesmo uma Cozinha Ancestral!