Há muito tempo não venho aqui escrever um texto longo. Tenho me dedicado a escrever poemas, ou melhor, tenho chamado meus escritos de textos-poemáticos (ou fantasmáticos, problemáticos, nada enigmáticos, como quiserem). Sim, escrevo textos-poemáticos, que aprendi a considerá-los como um “nada literário”. Nada não no sentido vazio do termo, mas na quebra de um padrão, de um paradigma de verdade que diz o que é bom e o que é ruim na escrita. Eu não posso concordar com isso. Para mim, essa verdade é uma mentira, marcada por um processo hermenêutico e subjetivo. Um texto não é o que é, ele é a palavra interpretada, uma apreensão de um olhar que olha.
Hoje eu compartilho uma história contraditória, a verdadeira dialética da escrita, a briga entre o “mostrar-se e esconder-se”. Acho que essa é a nossa briga diária e permanente. Mostrar-se ou esconder-se? Ser ou não ser? Eis a tragédia de Hamlet, sua dúvida originária, nosso questionamento diário! Compartilho minha experiência com a escrita, um pouco do meu processo de “ser no mundo”, processo que me permitiu mostrar-me através de meus textos.
Eu pensava que tinha começado a escrever quando estava no processo de doutoramento sanduíche, em Coimbra. A vivencia de outra temporalidade despertou um novo olhar sobre o mundo e tudo se transformava em palavras, pequenas narrativas sobre mim e sobre o que me cercava. Comecei a escrever, escrever e escrever. As palavras brotavam sem eu saber de onde. Era eu em forma de texto, uma denúncia do meu modo de sentir. Ao mesmo tempo em que me mostrava através dos textos, os textos me tocavam. Uma transformação simultânea e generosa, a escrita necessária.
Comecei a publicar os textos nesse blog, e a imersão se tornou concreta. Palavra que me invadiu, mundo representado, pele tatuada, marca verdadeira de todo meu processo de escrita. Enfim, de tantos textos, o desejo me levou copilar as palavras em um livro.
Iniciei o processo com toda empolgação que tenho em tudo que faço. Intensa. Imersa. Mas, é claro que o processo não foi simples. E a palavra se tornou estranha. Descobri que textos não são apenas textos, a poesia não é uma simples conciliação entre o que se sente e a palavra. Escrever é um processo protocolar e normativo: não escreva demais, não explique demais, isso é redundante demais, isso é simples demais, rima pobre, clichê, título óbvio etc, etc e etc. Ufa, um cansaço limitante.
Foi quando olhei para o passado e descobri que eu sempre escrevi, mas me vi cortada. Tive diversos cortes literários. Todas as palavras que pareciam, até então, inéditas, eram velhas conhecidas: não escreva demais, não explique demais, isso é redundante demais, isso é simples demais, rima pobre, clichê, título óbvio etc, etc e etc.
Mas, nessa descoberta triste, tudo começou a fazer sentido. Há pedras em todos os lugares. Mas, o fato é que, apesar de sempre ter alguém apto a nos dizer sobre a qualidade de nossa escrita, a obra não representa o processo. E processo é caminho singular. Caminhar. E, hoje, eu me recuso a parar, consequências analíticas.
Para completar, um dia, assistindo a uma entrevista de Clarice Lispector, o ciclo se fechou. No vídeo, ela falava que não era escritora. Essa fala me tocou, e sua entrevista se transformou em um lindo e leve conselho. Era como se Clarice sussurrasse em meu ouvido “- Você não é escritora, então escreva!”.
Esse sussurro se transformou em um lema, surgiu como um grito de liberdade. Clarice me autorizou a escrever. E assim, sigo com foco no que é meu, no meu “colocar para fora”, em apresentar meu AVESSO, nome do meu primeiro livro que será lançado em breve. Mostro-me sem medo, sem críticas, imperfeita e sempre rasurada.
Mas, escrevo tudo isso para contar um fato inusitado que me aconteceu hoje. Um fato que mostra o poder da escrita, um fato que mostra o quanto é importante nos colocarmos ao AVESSO. Vai sem medo!
Há exatos oito meses publicava aqui em meu blog um texto com a história do girassol de minha mãe. Esse texto me gerou várias trocas: uma amiga que pede pra ver a tatuagem, outra que fala da surpresa ao ver a foto do girassol (pensava ser impossível um girassol gêmeo infinito), outra que chorou com minha perda, outra que se emocionou com meus ganhos. A escrita tem dessas coisas, e isso é importante: nunca sabemos onde nossas palavras vão estacionar, nunca sabemos quem elas irão tocar, nem como. Claro que, às vezes, elas se deparam com o vazio, mas isso faz parte: sem sentido, sem significado, elas morrem. E está tudo bem.
Hoje, recebo um e-mail de notificação de um comentário nesse texto. O comentário me levou para outro lugar e me fez escutar, novamente, a voz de Clarice: “- Você não é escritora, então escreva!”. O comentário me lembrou porque eu escrevo: tocar e ser tocada, trocar. Várias são as possibilidades.
Esse texto é um convite a ir sem medo. Mostrar-se. Trata-se de um texto que convoca a sair do lugar do “eu não posso” e passar para a autorização do “simplesmente, escreva”.
Escrever pode ser contraditório, como eu já disse: bom e ruim, agrada e desagrada. Mas, isso faz parte, então quem decide somos nós! Uns vão amar, outros odiar. Mas saiba que entre o amor e o ódio, estará a escrita, estará você, marcando no mundo um posicionamento singular.
Esse texto é para as muitas Anas, Grazis, Brunas, Maris, Marias e Joanas. Para as muitas mulheres e homens que eu sei que escrevem, mas não se mostram. Palavras guardadas são páginas em branco, uma história não representada. Por isso, autorizem-se. Escrevam! E sigam o conselho que Clarice sussurrou ao pé do meu ouvido: “- Você não é escritora, então escreva!”
Abaixo coloco o texto recebido no comentário, um sinal de gratidão e esperança. Eu continuarei escrevendo, imperfeita e rasurada, trocando com aqueles que estejam dispostos a trocar comigo.
Olá…. engraçado como a vida é, ando aqui “perdido” na internet à procura de como se escreve Girassol no dialecto Maxakali, e pesquisa para cá pesquisa para lá vim aqui parar, é sempre bom ler historias de amor ligadas à natureza aos ensinamentos e aprendizados de alguém… vida real em boas palavras, em um mundo tão cheio de ecrãs e irreal, gostei de saber que um dos Girassóis de sua vida (filha) teve oportunidade de ter esse momento e aprendizado verdadeiro e ancestral com outro Girassol (sua Mãe). Estava na esperança de ver escrita a palavra Girassol em Maxakali e em vez de abandonar a sua pagina frustrado, saí de coração cheio. Nunca tinha visto um infinito gémeo girassol, obrigado por partilhar esta historia tão bonita com o mundo, gostei muito de ler. Em especial gostei também desta sua frase “O girassol gêmeo-infinito se foi, minha mãe também. A história não.” Os meus sentimentos, a minha também já se foi e 2 anos depois o meu Pai seguiu o mesmo caminho. Estou certo que sua filha também nunca esquecerá, farto-me de falar para os meus amigos para darem mais atenção ao filhos e menos ecrãs, mas ninguém se importa… e um dia mais tarde o que eles e os filhos terão para recordar será absolutamente nada, porque a realidade é essa mesmo, os bens materiais desaparecem e ficam lá para trás na historia da nossa vida, MAS as historias reais e vividas por cada um de nós ficará para sempre na nossa memoria, pelo menos enquanto ela estiver a funcionar claro. Mais uma vez obrigado pela partilha 🙂 Se o meu português parecer estranho, fica a nota que eu sou de Portugal e aqui a escrita é um pouco diferente (dizem), para mim não é, percebo perfeitamente o que se escreve por aí, mas como a maioria dos Brasileiros com quem troco mensagens costuma “reclamar” que não percebem, daí o meu pedido de desculpa se algo não for assim tão fácil de compreender.